Em cinco anos, os trabalhadores de Mato Grosso do Sul movimentaram R$ 2,4 bilhões por meio da antecipação do saque-aniversário do Fundo de Garanti do Tempo de Serviço (FGTS), uma modalidade de crédito que permitia transformar o saldo futuro do fundo em empréstimo imediato.
O dado foi enviado pela Caixa Econômica Federal ao Correio do Estado e mostra o peso desse tipo de operação na economia local.
Com 572,5 mil contas ativas do FGTS no Estado, 361,7 mil trabalhadores, o equivalente a 63% dos beneficiários, aderiram ao saque-aniversário desde 2020.
O volume expressivo de adesões e de crédito liberado agora entra em uma nova fase: o governo federal anunciou mudanças nas regras da modalidade, que passam a valer a partir de novembro de 2025.
O objetivo é restringir as operações de antecipação, que vinham crescendo em todo o País e, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), comprometendo parte da função original do FGTS como reserva de segurança para situações de demissão.
A principal mudança anunciada pelo MTE é a limitação da alienação de valores do FGTS, prática que ocorre quando o trabalhador antecipa os saques futuros ao contratar um empréstimo nos bancos ou nas financeiras, usando o saldo do fundo como garantia.
Na prática, o governo quer reduzir o alcance desses contratos de antecipação, uma vez que muitos trabalhadores estavam ficando sem acesso ao saldo integral em caso de demissão, justamente por terem comprometido o fundo com essas operações.
A portaria que entra em vigor em novembro determina que os novos contratos de antecipação terão limites mais rígidos e não poderão ultrapassar o saldo efetivamente disponível na conta do FGTS. Além disso, a Caixa e outras instituições financeiras serão obrigadas a adotar critérios de transparência para que o trabalhador entenda com clareza o impacto da operação e o valor total que deixará de receber futuramente.
Segundo o governo, o intuito não é acabar com o saque-aniversário, mas corrigir distorções criadas pelo uso massivo dessa modalidade de crédito, que era usada como linha de empréstimo de alto custo e, em muitos casos, sem plena compreensão dos riscos por parte do trabalhador.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, classificou o saque-aniversário como uma “armadilha” para os trabalhadores e lembrou que o governo desbloqueou, no início do ano, cerca de 12 bilhões de contas do Fundo.
“Ao ser demitida, a pessoa não pode sacar o saldo do seu FGTS – e demissões acontecem todos os dias. Hoje, já temos 13 milhões de trabalhadores com valores bloqueados, que somam R$ 6,5 bilhões. O saque-aniversário enfraquece o fundo, tanto como poupança do trabalhador quanto como instrumento de investimento em infraestrutura, habitação e saneamento”, afirmou o ministro.
AFETADOS
As novas regras se aplicam aos contratos firmados a partir de novembro de 2025. Ou seja, quem já antecipou parcelas do saque-aniversário ou possui contratos em vigor permanece com as condições atuais, até que o pagamento seja quitado.
Já os trabalhadores que fizerem novas adesões ou novas antecipações estarão sujeitos aos novos limites e exigências, como prazo máximo reduzido de antecipação e proibição de comprometer integralmente o saldo futuro do FGTS.
O MTE também determinou que a Caixa implemente avisos obrigatórios no aplicativo do FGTS, alertando o trabalhador sobre os impactos de contratar antecipações, o custo efetivo total (CET) do empréstimo e a possibilidade de restrições futuras ao saldo.
Em Mato Grosso do Sul, o saque-aniversário ganhou força durante os anos de crise econômica e alta da inadimplência. O volume de R$ 2,4 bilhões liberado de 2020 até este ano mostra que a antecipação do FGTS se tornou uma importante fonte de crédito pessoal, especialmente entre trabalhadores formais com rendimentos mais baixos.
A preocupação é que, ao alienar o saldo, “o trabalhador perde a liquidez do fundo em caso de demissão e ainda compromete parcelas futuras, ficando sem a reserva que deveria garantir estabilidade temporária”, detalhou o governo federal.
MUDANÇA
A modalidade de saque-aniversário continua existindo, permitindo que o trabalhador retire anualmente um porcentual do saldo disponível no FGTS no mês de seu aniversário, de 5% a 50%, conforme a faixa de valores, com adicional fixo que pode chegar a R$ 2.900. O que muda é a forma de usar esse saldo como garantia de crédito.
Com as novas regras, os bancos terão restrições para antecipar múltiplas parcelas futuras do saque-aniversário; o valor total da antecipação não poderá exceder o saldo atual da conta; a Caixa terá de exibir alertas de risco e custos totais antes da contratação; e, em caso de demissão, o trabalhador poderá resgatar o saldo não comprometido com empréstimos, o que antes era bloqueado integralmente.
O MTE também informou que estuda permitir a retomada parcial da modalidade tradicional (saque-rescisão) para quem se arrepender da adesão ao saque-aniversário, após cumprir o período de carência de 12 meses.
Desde que foi criado, em 2020, o saque-aniversário se consolidou como uma forma rápida de acesso a dinheiro em momentos de aperto, mas especialistas alertam que a antecipação das parcelas aumenta o endividamento de longo prazo.
Na maioria dos contratos, o trabalhador recebe o valor antecipado à vista, mas paga taxas de juros embutidas que reduzem o montante final e, em muitos casos, comprometem o saldo total do FGTS.