O setor agropecuário de Mato Grosso do Sul, motor da economia estadual, pode se tornar uma das principais vítimas de uma guerra que não é dele, mas que ameaça mexer no fornecimento de fertilizantes.
A ofensiva comercial dos Estados Unidos contra países que mantêm relações comerciais com a Rússia adicionou mais uma camada de instabilidade a um mercado que já vinha sofrendo com os impactos da guerra na Ucrânia e as tensões no Oriente Médio.
Para os especialistas, o resultado é um ambiente de incerteza em um estado onde a produção agrícola depende de insumos importados para manter a competitividade.
A ameaça de sanções ou restrições aos países compradores de produtos russos atinge diretamente uma cadeia de suprimentos globalizada e interdependente, e coloca Mato Grosso do Sul diante do desafio de continuar crescendo em meio a um cenário de disputa de poder entre potências.
O mestre em Economia Eugênio Pavão explica que, historicamente, o mercado de fertilizantes em Mato Grosso do Sul tinha forte abastecimento vindo da Rússia e da Ucrânia, quadro que já havia sido abalado pela guerra.
“As opções para MS obter ureia, cloreto de potássio, entre outros, agora passam por países do Oriente Médio, bem como pelo sulfato de amônia advindo da China”, detalha.
Para Pavão, as taxações norte-americanas interferem “na aquisição de produtos gerais, com objetivo de enfraquecer o Brics, afetando bastante o agronegócio em MS”.
O analista de comércio exterior Aldo Barrigosse, no entanto, pondera que a dependência de Mato Grosso do Sul da Rússia é menor do que a média nacional.
“A dependência do estado em relação à Rússia é baixa, representando apenas 4% das importações totais de fertilizantes. Nossos principais fornecedores são a China (53%) e a Bolívia (33%), o que confere uma resiliência considerável à nossa cadeia de suprimentos”, explica.
Mas a tranquilidade para o abastecimento não significa segurança no custo. Barrigosse alerta que a preocupação real está na escalada de preços. “A alta de 33% no valor de importação de fertilizantes este ano, comparado a 2024, já reflete uma conjuntura de mercado volátil”, diz.
A alta é fruto de um mercado global que opera próximo do limite de sua capacidade, em um momento em que países produtores se reorganizam para atender a demandas urgentes do Brasil, que continua importando 85% dos fertilizantes que consome.
Conforme já publicado pelo Correio do Estado, o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, afirmou que a geopolítica tornou ainda mais urgente a retomada da produção nacional de fertilizantes.
“O Brasil ainda importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome. A reativação de algumas plantas já devolveu 15% dessa capacidade ao mercado interno, e a UFN3 agregaria outros 15%”, disse.
ESTRATÉGICA
A Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN3), em Três Lagoas, é vista como estratégica não só para MS, mas para o Brasil.
“Se somadas, então, o Brasil reduziria a dependência com importação em 30% e continuaria importando ainda 70% da ureia necessária para fertilizar. A gente importa da Rússia, Canadá, são os dois grandes. E com esse problema geopolítico mundial, a UFN3 se tornou mais relevante ainda. Você vê, com essa discussão, não só o tarifaço, mas a geopolítica mundial, você vê quem importa da Rússia, os Estados Unidos querem fazer esse boicote”, disse Verruck ao Correio do Estado.
Mas a fábrica, cuja conclusão já foi adiada mais uma vez, só deve começar a operar em 2028, como o Correio do Estado antecipou. A demora deixa o agronegócio local vulnerável a uma escalada de custos que pressiona margens e pode comprometer a competitividade do Estado no mercado internacional.
Pavão reforça que substituir fornecedores de fertilizantes não é tarefa simples. “A UFN3, por exemplo, só consegue colocar o produto no mercado em 2028, reduzindo a dependência externa”, projeta. Até lá, MS dificilmente escapará das consequências econômicas de guerras e sanções, segundo ele.
Barrigosse ainda observa que a importação de fertilizantes nacionais por outros estados brasileiros, embora ajude, também carrega o repasse do aumento de custo da cadeia de suprimentos. “A busca por novos fornecedores implicaria custos logísticos mais altos e em um tempo de adaptação de mercado”, aponta.
A resposta, portanto, não está apenas em negociar novos contratos de importação, mas em mudar estruturalmente o modo como Mato Grosso do Sul e o Brasil encaram a segurança de insumos agrícolas.
“A estratégia mais eficaz para Mato Grosso do Sul é a contínua diversificação de mercados, a otimização logística e a busca por tecnologias que aumentem a eficiência no uso de insumos”, completa o analista.
Correio do Estado